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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Produto que usa bactéria para matar o Aedes está pronto desde 2006

Piloto teve sucesso em 2007, mas governo 'ignorou'; 
bacilo ataca as larvas.
Ministério diz que compra internacional 
impede uso de versão da EMBRAPA.


             O larvicida biológico que usa uma bactéria para matar as larvas do mosquito Aedes aegypti – transmissor da dengue, do chikungunya e do zika vírus – será usado no Distrito Federal a partir desta quinta-feira (160121), mas já está pronto para utilização em larga escala há quase dez anos. 

             A fórmula criada no Brasil foi registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA em 2006, mas nunca foi usada de forma sistemática no país.

             O produto pode ser aplicado em caixas d'água, piscinas, ralos, vasos de plantas e em qualquer ambiente doméstico, incluindo reservatórios de água potável. 
             A compra só pode ser feita, no entanto, por governos ou empresas especializadas, e não pelo consumidor comum.

             O larvicida tem como "princípio ativo" o Bacillum thuringiensis israelense (BTI), uma bactéria inofensiva para humanos e animais domésticos, mas letal para o mosquito. Quando a larva do Aedes come essa bactéria na água limpa e parada, recebe quatro toxinas que causam paralisia generalizada e matam o vetor.

             A versão brasileira, criada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA em parceria com a empresa nacional Bthek, traz um bacilo em uma solução líquida. Ela é vendida pelo nome comercial "Bt-Horus" e custa cerca de R$ 60,00 por litro.

             Em nota enviada, o Ministério da Saúde informou que só pode incluir um produto no Programa Nacional de Combate à Dengue se ele obtiver registro na Organização Mundial de Saúde - OMS. Essa restrição se aplica, segundo a pasta, porque a aquisição é feita por licitação internacional, com verbas da Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS.

             O ministério diz analisar, "além da segurança e da eficácia, o custo-efetividade, o impacto epidemiológico esperado, o protocolo e estratégia de utilização do produto e o impacto orçamentário que será produzido".

             O ministério não soube informar porque mantém um regulamento que impede a compra de produtos nacionais para o Programa Nacional de Combate à Dengue, criado em 2002. mesmo aqueles com autorização da ANVISA. Os governos locais e a própria União podem comprar o Bt-Horus diretamente do fabricante mas, para isso, não podem contar com as verbas da OPAS.

             Apesar de não prever a aquisição do bacilo na formulação nacional, o governo federal importou oito toneladas do produto em 2010 e fez a distribuição para 13 estados e o DF.

             A diferença, segundo o próprio ministério, está na forma de apresentação do produto. O BTI foi licitado na versão "efervescente" (WDG, na sigla em inglês), regulamentada pela OMS. A versão nacional, o Bt-Horus, é vendida em solução aquosa e, por isso, precisaria de nova permissão do órgão ligado à ONU.

Sem continuidade
             Em 2007, o produto foi testado pela EMBRAPA e pela Bthek em São Sebastião-DF, com resultados acima dos esperados pela equipe. O índice de infestação, medido pelo número de focos encontrados a cada cem casas inspecionadas, passou de 4 para 1 após a aplicação do bacilo. De "risco iminente de epidemia", o índice caiu para "aceitável", segundo critérios da Organização Mundial de Saúde.

             As pesquisas foram concluídas na sede da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, a 8 km do Palácio do Buriti e a menos de 200 metros da sede da Secretaria de Saúde, no fim da Asa Norte. A EMBRAPA afirma que tem como missão "viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação", e que a criação de políticas públicas e aplicação de alternativas cabe ao Executivo.

             Depois do teste bem-sucedido em São Sebastião-DF, o produto sumiu dos protocolos distritais até a última segunda-feira (160118), quando o governo anunciou o recebimento de 600 litros do produto. A carga foi doada pela União Química, empresa brasileira que comprou a Bthek.

             O subsecretário de Vigilância em Saúde do DF, Tiago Coelho, afirma que a estratégia foi "revisitada" em função do aumento da ameaça causada pelo Aedes aegypti, que passou a transmitir a chikungunya e o zika vírus


"Os instrumentos que estávamos utilizando 
para conter a dengue estavam se mostrando ineficientes. 
O controle químico, por inseticida e larvicida, 
e o ambiental, com retirada de entulho e água parada"
             Diz.

Novo protocolo
             Desta vez, a aplicação do BTI será feita apenas pelos agentes autorizados da Secretaria de Saúde, e não pela própria população, como em 2007. Coelho afirma que os testes daquela época foram feitos pela própria empresa, e não pela pasta, e diz que a estratégia utilizada "não se mostrou efetiva". Ele preferiu não comentar os dados de redução de epidemia passados pela Bthek e pela EMBRAPA.

"Neste momento, depois de revisitar 
os pontos positivos e negativos, 
nós estamos introduzindo [o produto] 
com um novo protocolo. 
Vamos fazer o monitoramento de todos os indicadores 
e divulgar o resultado, 
dentro do protocolo que a secretaria entende como correto. 
É um processo contínuo: 
a pesquisa alimenta a política pública, 
que fornece novos dados para a pesquisa"
             Diz o subsecretário.

             Os 600 litros doados devem ser suficientes para dois ou três meses de aplicação, nas estimativas do GDF e considerando o "nível atual" de focos. Nesse período, a Secretaria de Saúde promete avaliar os resultados. 

"Assim que a gente identificar a efetividade, 
a intenção é fazer um termo de referência 
para adotar a compra regular"
             Diz Coelho.

             Na manhã desta quinta (160121), 150 agentes da Vigilância Ambiental receberam o treinamento necessário para usar o produto, que será dividido em 12 mil ampolas de 50 ml. A previsão do GDF é de que o produto começasse a ser aplicado ainda nesta quinta nas regiões com o maior índice de focos do mosquito: Santa Maria-DF, Gama-DF, Brazlândia-DF, Lago Norte-DF e Planaltina-DF.

             O GDF garante que seguirá o cronograma de reaplicação indicado pelo fabricante – onde houver foco, o agente de vigilância terá que retornar a cada três semanas. O governo não explicou como fará esse controle na segunda etapa de implementação, quando todo o DF passar a receber o bacilo.


Nova tentativa
             O gerente de produção da Bthek e da divisão de biotecnologia da União Química, José Eduardo Sacconi Nunes, diz que a aplicação do BTI no DF vai funcionar como um "segundo projeto piloto", em uma tentativa de reinserir o larvicida no mercado. Desde 2010, segundo ele, nenhum governo municipal, estadual, distrital ou federal adquiriu o produto, de modo contínuo, para o combate à dengue.

"O produto foi utilizado sistematicamente na região Sul, 
mas no combate ao mosquito borrachudo, 
pelo incômodo que ele causa em populações ribeirinhas. 
É um mosquito que gosta de água corrente, 
não bota ovo em água parada. 
Como o larvicida ataca a larva, e não o adulto, 
pode ser que o Aedes volte a pôr ovos ali. 
Por isso, você precisa ir reaplicando 
até matar toda a cadeia"
             Diz.

             A dose necessária para eliminar as larvas de Aedes varia de uma gota (para ralos domésticos) a um litro (piscinas de 20 mil litros). 

"Dependendo da dose, 
as larvas morrem em 24 horas. 
A vantagem é a especificidade, 
ou seja, essas toxinas só agem nas larvas 
e são inofensivas aos humanos, animais, plantas"
             Diz a pesquisadora Rose Monnerat, que liderou a pesquisa do bacilo na EMBRAPA.

             Após aplicado, o bacilo se reproduz muito pouco, e apenas dentro da larva morta. Como a bactéria é sensível à luz solar, o produto é mais eficiente para ambientes internos e precisa ser reaplicada, "religiosamente", a cada três semanas. A ação funcionaria como complemento ao uso dos "fumacês", mais eficazes na área externa porque os moradores fecham as portas e janelas durante a aplicação.

Dengue no DF
             O Distrito Federal registrou aumento de 110% no número de casos de dengue nas primeiras duas semanas de 2016, em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 253 infecções confirmadas até a última segunda-feira (160118), contra 120 apurados em 2015. Os dados foram divulgados nesta quarta (160120) no boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde.

             Entre os dias 11 e 18 deste mês, o índice de casos pulou de 59 para 253 – foram 194 infecções em apenas sete dias. A variação, segundo a Saúde, foi impulsionada pelo crescimento das ocorrências em Brazlândia-DF – de 3, em 2015, para 100 em 2016. 
             Em 13 regiões, o índice caiu em relação ao ano passado, e em outras nove, houve estabilidade.