Denúncias envolvendo apartamento triplex
e sítio têm potencial maior para arranhar imagem
do ex-presidente do que o escândalo do mensalão
e podem inviabilizar eventual retorno em 2018.
Há cinco anos, Luiz Inácio Lula da Silva deixou o Palácio do Planalto em meio a uma popularidade recorde, elogios de líderes estrangeiros e tendo feito sua sucessora na Presidência da República. Era o auge da trajetória política do ex-metalúrgico de esquerda e a consolidação do mito popular Lula.
Esse mito se fundamenta no carisma pessoal do ex-presidente, na história do homem simples que subiu na vida, nas políticas econômicas e sociais que tiraram milhões de pessoas da miséria e também na imagem de ser um dos principais representantes da integridade moral que está na origem da fundação do PT. Esse mito é tão forte que faz de Lula, ao natural, um dos nomes mais cotados para suceder Dilma Rousseff em 2018.
Nas últimas semanas, porém, esse mito passou por aquele que é, até o momento, seu teste mais forte. É verdade que a Presidência de Lula teve seus percalços, como o escândalo do mensalão, mas a figura do líder operário que se empenha pelos mais pobres passou inabalada por todas as turbulências, pois as investigações não indicaram participação direta dele em nenhum caso.
Agora, no entanto, a situação ameaça se tornar bem diferente, à medida que surgem suspeitas ligando o ex-presidente a escândalos potencialmente incendiários. Elas envolvem um apartamento triplex no Guarujá, um sítio no interior de São Paulo, tráfico de influência e negócios entre seus filhos e grandes empresas.
Se, para muitos petistas e apoiadores do ex-presidente, o mensalão tinha o "atenuante" de que não era em proveito próprio, nas recentes denúncias esse raciocínio não se impõe.
É a família de Lula que frequenta o sítio em Atibaia.
A situação é tão grave que, segundo relatos da imprensa brasileira, Lula estaria abatido. E cientistas políticos afirmam que o ex-presidente, em vez de ser uma figura que emprestava seu carisma a outros políticos e ao PT, pode estar se convertendo num fardo.
O ex-presidente e sua mulher, Marisa Letícia, terão que depor no Ministério Público Federal de São Paulo para esclarecer a relação do casal com o imóvel no Guarujá.
É a primeira vez que Lula deporá como investigado.
Manchas na trajetória política
"Lula vinha cultivando uma imagem de estadista e de potencial candidato à Presidência nas próximas eleições. O problema é que a fórmula que salvou o presidente em 2005, que envolvia culpar outras pessoas, parece não se aplicar desta vez. O efeito imediato dessas investigações é inviabilizar qualquer conversa sobre a volta de Lula em 2018. No longo prazo, elas mancham a trajetória política de Lula", afirma o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB).
As manchas na imagem de Lula podem ser medidas em números. Pesquisas do instituto Datafolha divulgadas no final do ano passado apontam que a rejeição ao ex-presidente saltou de 17% para 47% nos últimos dois anos. Já a parcela dos entrevistados que o consideram o melhor presidente que o Brasil já teve caiu de 56% para 39%. Lula só conta com 22% das intenções de voto para as próximas eleições presidências – o que o coloca nove pontos percentuais atrás do senador Aécio Neves (PSDB).
Mais recentemente, uma pesquisa do instituto Ipsos divulgada no início de fevereiro afirmou que apenas 25% dos entrevistados consideram que Lula é honesto (em 2005, durante o escândalo do mensalão, eram 49%). O levantamento também mostra que 68% da população acredita que Lula não tem mais moral para falar de ética, e 67% disseram que o ex-presidente é tão corrupto como outros políticos.
Em 2015 começaram a surgir as primeiras suspeitas sobre o presidente. Elas envolviam sua relação com grandes empreiteiras, que custearam viagens e pagaram milhares de reais para o Instituto Lula em troca de palestras. A pecha de "lobista", no entanto, nunca passou de uma acusação não comprovada.
Na segunda metade de 2015 foi a vez do apartamento triplex num prédio no Guarujá, no litoral de São Paulo. A defesa do ex-presidente afirma que Lula e sua mulher tiveram uma cota para um imóvel no prédio, mas que o casal desistiu da compra e nunca foi proprietário de qualquer unidade.
Ainda assim, o caso levantou questões sobre o porquê de a construtora do prédio, a empreiteira OAS – cuja cúpula foi presa na Operação Lava Jato – ter gasto mais de 700 mil reais em reformas no imóvel, como a instalação de um elevador privativo. O promotor do caso já afirmou que tem indícios para denunciar o casal por ocultação de patrimônio.
Em outubro foi a vez de a Operação Zelotes chegar a Luís Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do ex-presidente. As investigações apontam que Luis Cláudio, proprietário da LFT Marketing Esportivo, recebeu 2,4 milhões de reais em pagamentos de uma consultoria ligada a um suposto esquema de compra de medidas provisórias para beneficiar a indústria automotiva com incentivos no final do segundo mandato de Lula. O ex-presidente nega que a MP 471 tenha sido influenciada por lobbies. Já a defesa de Luis Cláudio afirma que o valor foi pago por uma consultoria na área esportiva que foi de fato prestada.
O nome de Lula também apareceu no início deste ano ligado ao sítio em Atibaia, que é de propriedade do filho de um amigo do ex-presidente, o empresário Fernando Bittar, também sócio de outro filho de Lula, Fábio Luis. Lula frequentava regularmente o local e chegou a enviar para o imóvel objetos pessoais que estavam no Palácio do Alvorada.
Investigações mostram que a propriedade teve uma reforma custeada pela OAS, a Odebrecht e o pecuarista José Carlos Mumbai, um amigo do ex-presidente preso durante a Operação Lava Jato. Foram gastos cerca de 500.000,00 mil reais só na compra do material da reforma.
A defesa de Lula admitiu que ele frequentava o sítio e nega qualquer irregularidade, mas até agora tem evitado comentar as reformas feitas no local. A suspeita investigada na Operação Lava Jato é que as empreiteiras tenham reformado o local para presentear o ex-presidente.
Muito cedo para avaliar estrago
Para o cientista político Carlos Melo, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), a imagem de Lula está sendo arranhada pelas denúncias.
"É complicado quando uma das principais
lideranças políticas do país
não consegue esclarecer essas relações.
Lula sempre quis passar a imagem
do operário que chegou lá,
não a de um milionário"
Comenta.
Segundo Melo, a divulgação de informações como a de que empreiteiras bancaram a compra de cozinhas de luxo e a instalação de elevadores particulares têm um potencial de dano maior do que denúncias envolvendo desvios de milhões ou bilhões, que são um tanto abstratas para a população.
O cientista compara a situação de Lula com a do ex-presidente Fernando Collor (1990-1992).
"Collor já vinha sendo sacudido por escândalos,
mas o que realmente o atingiu foi
a divulgação de reformas suntuosas na Casa da Dinda
[residência particular do então presidente],
antes mesmo da comprovação de algo ilícito.
Esse é o tipo de coisa que fica na mente das pessoas"
Afirma.
Melo, no entanto, ressalva que, até agora, as denúncias contra Lula ainda estão longe de serem comprovadas, e que, ao menos até o momento, as investigações não indicaram nenhuma troca concreta de favores por reformas ou presentes. "Até aqui, essas investigações têm um impacto maior do ponto de vista político do que do jurídico", diz.
Para o especialista, o cacife político do ex-presidente para 2018 está sendo comprometido. "O PT se comportava como se tivesse um Pelé no banco, que pode ser chamado para o jogo a qualquer momento. Agora ficou mais complicado", analisa. "Em 2010, com o bom momento da economia, essas denúncias teriam sido ignoradas, não significariam nada, mas agora têm mais potencial."
O cientista político Paulo Kramer avalia que será difícil para o ex-presidente recuperar a sua imagem. "Esses escândalos todos mostram que Lula e seu partido não só eram adeptos do patrimonialismo, que confunde a coisa pública com a privada, como o agravaram. Lula almejava ser uma figura maior que Getúlio Vargas, mas se as coisas continuarem assim ele vai acabar em pé de igualdade com Eduardo Cunha", afirma.
Já Melo afirma que, apesar dos abalos, ainda é muito cedo para avaliar se as manchas na imagem são permanentes. "Fernando Henrique Cardoso saiu desgastado da Presidência e se afastou por algum tempo. Hoje ele é uma figura respeitada. O distanciamento permite outras avaliações", afirma.
A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE LULA
Lula e as greves do ABC
Em 1979, Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema e ganhou projeção nacional ao liderar uma série de greves no final da década.
Em 1980, foi preso e processado com base na Lei de Segurança Nacional após comandar uma paralisação que durou 41 dias. Lula ficou 31 dias no cárcere do Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social).
A campanha de 1989
O PT lançou a candidatura de Lula nas primeiras eleições presidenciais diretas após o fim do regime militar. Com uma imagem de operário e um discurso de esquerda, Lula provocou temor em vários setores da economia, que se alinharam ao candidato Fernando Collor. O petista foi derrotado no segundo turno, depois de uma campanha que envolveu acusações de manipulação da imprensa em favor de Collor.
A campanha de 1998
Em 1998, Lula sofreu uma das suas piores derrotas eleitorais. À época, o petista teve como candidato a vice o ex-governador Leonel Brizola (PDT), um dos seus rivais na eleição de 1989 e com que disputava a hegemonia na esquerda brasileira. A fórmula não deu certo. Lula obteve só 31% dos votos e não chegou ao segundo turno. O então presidente Fernando Henrique Cardoso foi reeleito com 53%.
A posse de Lula
O eterno candidato do PT finalmente assumiu a Presidência em janeiro de 2003, após oito anos de governo do PSDB. Lula foi eleito com 61% dos votos válidos no segundo turno. A vitória foi alcançada após uma intensa campanha, que vendeu uma imagem mais moderada do petista – simbolizada no slogan "Lulinha paz e amor" – com o objetivo de acalmar os mercados e ampliar o eleitorado do partido.
Economia em alta
Após as turbulências no final do governo Fernando Henrique Cardos, a economia brasileira voltou a crescer com Lula, embalada sobretudo pelo boom das commodities. Foi o período da descoberta do Pré-Sal e investimentos em grandes obras de infraestrutura. O crescimento médio do PIB no segundo mandato chegou a 4,6%. O bom momento catapultou a popularidade de Lula, que chegou a 83% no final de 2010.
O escândalo do mensalão
Em 2005, o governo Lula foi atingido em cheio pelo escândalo de compra de votos de deputados, o mensalão.
Apesar do desgaste, Lula sobreviveu à crise.
Outros, como o ministro José Dirceu, uma das figuras fortes do governo, caíram em desgraça.
No início, Lula afirmou que assessores o haviam "apunhalado", mas depois mudou o discurso e disse que o caso era uma invenção da oposição e da imprensa.
A eleição de Dilma
Em 2007, logo após a sua reeleição, Lula começou a preparar o terreno para a sua sucessão.
Como sucessora, ele escolheu a sua então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma tecnocrata sem experiência nas urnas. Nos três anos seguintes, Lula promoveu a imagem de Dilma junto aos brasileiros.
A estratégia funcionou, e ela foi eleita em 2010.