Em meios à disputa entre motoristas do Uber e taxistas pelo direito de prestar serviço de condução de passageiro, Daniela Kovács, 36 anos, e seu cão guia Basher, 8 anos, foram impedidos de embarcar em um carro ligado ao aplicativo 99taxis na tarde chuvosa desta terça-feira (160127), em São Paulo.
O condutor do veículo se recusou a levar o cachorro, cujo acesso a qualquer meio de locomoção público é garantido por lei, alegando que o animal "soltaria pelos" no estofamento.
"Expliquei a ele que o Basher é um cão de serviço,
que recebe cuidados diários de limpeza
e é teinado para se comportar,
mas não adiantou"
Afirma Daniela, que é chefe do setor de acessibilidade do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Com deficiência visual desde a infância, ela afirma já ter enfrentado o constrangimento de ter seu acesso negado em táxis "diversas vezes", mas que sua tolerância "chegou ao limite".
Segundo Daniela, ela tomou o cuidado de selecionar no aplicativo um motorista que declarava "aceitar animais", embora isso não seja necessário em caso de transporte de cães-guias.
Esses animais são considerados instrumentos de acessibilidade, como uma cadeira de rodas, que devem ser transportados sem custo adicional e em qualquer veículo.
"Não podia garantir ao motorista que o Basher
não soltaria pelos, afinal, ele é um cão.
Taxistas parecem esquecer
que prestam um serviço público,
representam o Estado e precisam atender
a todos de forma igual.
Não levo um cachorro para cima
e para baixo porque acho legal."
Basher, da raça labrador, nasceu e foi trinado nos EUA. Está com Daniela há sete anos. Ela conseguiu o animal por meio da ação do Instituto Íris, que, com apoio de parcerias com a iniciativa privada, fornece os cães trabalhadores gratuitamente.
Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de cães-guias no Brasil, mas as instituições especializadas estimam em menos de cem em todo o país, diante de uma população de 582.000 mil pessoas cegas, de acordo com o IBGE.
Discriminação
Para a Deputada Federal Mara Gabrilli (PSDB-SP), relatora da Lei Brasileira de Inclusão - LBI, que entrou em vigor neste mês, o caso de Daniela pode ser enquadrado como discriminação à pessoa com deficiência e deve ser denunciado aos órgãos de direito.
"Tudo sempre cai na falta de informação,
na falta de treinamento, na falta de qualificação
e na falta de bom senso.
Mas negar acesso a um cão-guia,
pela nova lei, configura-se discriminação,
afinal o que muitos taxistas não querem é sujar o carro.
Eles tem uma concessão pública,
precisam andar de acordo com a legislação",
Diz.
Por temer ficar exposta a algum tipo de represália, Daniela pediu que o nome do profissional que negou a viagem não fosse divulgado.
"Uma situação dessas expõe demais uma pessoa cega.
Tenho medo",
Afirma.
Bloqueio
Por meio de nota, a 99táxis afirmou que "não corrobora" nem "aceita" a atitude do motorista envolvido no caso.
A empresa informou que ele foi "bloqueado do aplicativo", o que o impedirá de atender pelo serviço.
Ainda segundo a 99táxis, há frequente comunicação com os seus taxistas, "com objetivo de manter um alto padrão de atendimento".
A empresa se comprometeu a promover uma campanha de conscientização "para reforçar que aceitar o cão guia não é opção, mas, sim, um dever cívico garantido pela legislação".
O Sindicato dos Taxistas de São Paulo considerou o fato "Lamentável", digno de "Repúdio" e colocou-o como uma "exceção".
O órgão afirmou também que faz e fará iniciativas de conscientização dos profissionais.
Ricardo Auriemma, presidente da Associação das Empresas de Táxi de São Paulo, disse que os motoristas participam de cursos e são devidamente informados de que é permitido o transporte de deficientes visuais com seus cães-guia no veículo.
"É um caso pontual,
e atitudes semelhantes devem ser combatidas.
Fazemos notificações frequentes para que as associadas
alertem os novos motoristas".
Afirma.