Wagner Pinto testemunhou no júri popular sobre chacina de Unaí, em BH
Ex-prefeito da cidade é acusado de ser mandante de 4 mortes em 2004
Testemunhas disseram na manhã desta quarta-feira (151104), primeiro dia do júri do ex-prefeito Antério Mânica pela chacina de Unaí, que o também fazendeiro ligou para o Ministério do Trabalho no dia das execuções para saber se os fiscais haviam morrido. O júri é realizado no Tribunal de Justiça Federal em Belo Horizonte. Segundo o Ministério Público Federal - MPF, ele responde pelo crime de homicídio doloso qualificado. Na chegada ao tribunal, Mânica sorriu.
Em 28 de janeiro de 2004, os auditores fiscais Nelson José da Silva, João Batista Lages e Eratóstenes de Almeida Gonçalves e o motorista Ailton Pereira de Oliveira morreram em uma emboscada. Segundo a acusação, o ex-prefeito e o irmão Norberto Mânica, condenado a 100 anos pela chacina, teriam encomendado o crime, devido ao rigor das fiscalizações trabalhistas feitas por Nelson José da Silva. No mesmo ano, Mânica foi eleito pela primeira vez prefeito da cidade e chegou a ter dois mandatos.
O delegado de Polícia Civil Wagner Pinto, de Belo Horizonte, disse durante seu depoimento no júri que, no dia da morte dos fiscais, o fazendeiro ligou para o Ministério do Trabalho em duas oportunidades. A primeira para perguntar se tais servidores haviam sido mortos e, a segunda, para confirmar que os quatro haviam morrido.
Apesar desta declaração, Wagner Pinto disse que durante o tempo em que trabalhou na cidade não verificou nenhuma prova de envolvimento de Antério com as mortes. Ele contou que foi destacado da capital para Unaí, mas precisou voltar seis meses depois, a pedido do superior.
Ainda segundo Wagner, com o andamento das investigações, verificou-se a existência de um Fiat Marea, de cor escura, em um posto de gasolina, na noite anterior ao crime. Pela investigação, este carro está envolvido na morte dos fiscais. A mulher de Antério Mânica tinha um carro do mesmo modelo à época do crime.
A mulher de Nelson José da Silva, Helba Soares da Silva, também contou que teve conhecimento das ligações de Antério Mânica para o Ministério do Trabalho para saber se os fiscais estavam mortos. Ela confirmou que o companheiro recebeu ameaças de morte durante a fiscalização. De acordo com o Ministério Público Federal, Nelson era o alvo dos ataques porque era considerado um fiscal rigoroso e de reputação ilibada.
Segundo Helba, Nelson ouviu a frase "olha que objeto bom de enfiar na barriga de um preto", quando foi ameaçado. O objeto em questão é um chuço usado para furar sacas de feijão. Ela contou que ele tinha medo de ser morto e que estava pensando em se aposentar.
Ainda foram ouvidos na manhã desta quarta-feira um policial militar que atendeu ao chamado das mortes pelo 190, um auditor fiscal e uma sobrinha de Helba Soares.
Nesta terça-feira (151103), o advogado do fazendeiro, Marcelo Leonardo disse estar confiante na absolvição do réu. “Espero que haja uma decisão justa, que ele [Antério Mânica] seja absolvido porque ele é inocente”, resumiu. Além de Marcelo Leonardo, outros dois advogados trabalham na defesa do fazendeiro.
Já a acusação acredita que ex-prefeito deixará o Tribunal do Júri condenado. “Estamos confiantes que vamos conseguir a condenação. Embora, quando se sobe na linha de hierarquia de mando, vai tendo menos provas. Mas, de qualquer forma, o que se tem já é suficiente para uma condenação dele, com certeza”, declarou a procuradora da República Miriam Moreira Lima. Porém, ela preferiu não revelar quais serão os elementos sustentados pelo MPF para pedir a condenação do fazendeiro.
O julgamento de Antério Mânica tem o conselho de sentença formado por seis mulheres e um homem. A previsão era que 18 testemunhas de acusação e seis de defesa fossem ouvidas, mas duas pessoas que prestariam depoimento pelo Ministério Público Federal foram dispensadas. Segundo a Justiça Federal, a previsão é que o júri dure três dias.
Segundo o advogado Marcelo Leonardo, o cliente chegou a ser detido em duas ocasiões. As duas prisões somam cerca de 20 dias.
PROTESTO
Na porta do Tribunal de Justiça Federal em Belo Horizonte, cerca de 40 servidores do Ministério do Trabalho fizeram um protesto pela memória dos colegas mortos e pedindo "justiça". Eles gritaram "bandido", "assassino" e "você vai ser condenado" quando Antério Mânica chegou ao prédio.
Os manifestantes usaram sacos de feijão em forma de cruzes ao lado das fotos dos servidores mortos na chacina. O fazendeiro é conhecido como "rei do feijão" por ser grande produtor do grão em Minas Gerais. Tinta vermelha imitando sangue foi jogada sobre as fotos e sobre os sacos de feijão.
CONDENAÇÕES
Na última semana, Norberto Mânica foi considerado culpado pela chacina e recebeu a pena de 100 anos de reclusão pelos homicídios dos servidores do Ministério do Trabalho. Mas, como ele já cumpriu tempo de prisão, a sentença ficou em 98 anos, seis meses e 24 dias. No mesmo julgamento, que durou quatro dias, também foi condenado empresário José Alberto de Castro. Ele pegou 96 anos de prisão pela acusação de ter sido intermediário entre os mandantes e os executores do crime.
Hugo Alves Pimenta, outro réu apontado como intermediário, vai a júri no próximo dia 10. Delator do caso, ele teve o julgamento adiado, após um pedido da defesa, que argumentou que o réu não poderia ser julgado no mesmo júri em que também participaria como testemunha.
Em 2013, outros três réus, envolvidos na execução, já haviam sido condenados. Rogério Alan Rocha Rios pegou 94 anos de prisão; Erinaldo de Vasconcelos Silva, 76 anos e 20 dias; e William Gomes de Miranda, 56 anos. Ao todo, as penas somam 226 anos.
O processo tinha nove réus, mas Francisco Elder Pinheiro, acusado de ter contratado os matadores, morreu há dois anos e Humberto Ribeiro dos Santos teve o crime prescrito.