Mãe diz que escola nunca contatou terapeuta
e se negou a tentar adaptá-lo.
Colégio recorreu e informou que mantinha família
informada de 'excessos'.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal condenou uma escola particular a pagar R$20.000,00 mil a um autista de 11 anos que foi expulso no meio do ano passado sob a alegação de “reiteradas condutas inadequadas” e agressivas. O garoto acabou tendo matrícula recusada em outras dez instituições privadas e precisou concluir a 6ª série na rede pública.
O colégio nega preconceito e recorreu da decisão.
Entre os incidentes envolvendo o garoto estavam uma briga com colega durante partida de futebol e o fato de ele ter falado palavrão em sala de aula. Amir Bliacheris foi matriculado no Colégio Logosófico Gonzales Pecotche no início de 2014 depois de longa pesquisa feita pela mãe, a advogada Brenda Bliacheris.
A família se mudou para Brasília-DF para acompanhar o pai, que é servidor público, e fez questão de escolher uma instituição que pudesse entender a situação do garoto.
Brenda conta que diversas vezes esteve na escola e que ofereceu os contatos da psicóloga que o acompanhava. Segundo a mulher, a instituição nunca quis fazer contato com a terapeuta e se negou a tentar adaptá-lo – como empregar uma carga horária reduzida de aula, por exemplo.
Em nota, o Colégio Logosófico Gonzales Pecotche diz que sempre deu suporte ao aluno Amir e que nunca deixou de atender alunos com qualquer tipo de deficiência. Na época em que ele estudava na instituição, os médicos e terapeutas que o acompanham ainda não tinham fechado o diagnóstico de Asperger – um dos espectros do autismo.
"A cada excesso de comportamento cometido no relacionamento com colegas e professores, como é procedimento natural do colégio com relação a todos os nossos alunos, mantivemos a família informada. Em razão do acúmulo de excessos e após seguirmos todos os procedimentos regimentais da escola considerando a graduação das ações que vão desde advertência até o cancelamento de matrícula, passando por reuniões com os pais e com o conselho de classe, o aluno foi desligado da instituição de ensino", declarou.
A mãe do garoto afirma que a escola alegou que o fato de ele ser grande assustava os colegas. Ela diz que a escola tinha pouca compreensão com relação às limitações do menino. Por causa do autismo, Amir não tem coordenação motora fina, não entende ironias, atropela palavras e tem dificuldades para lidar com frustração e momentos de ansiedade.
"A escola pressionava muito ele. A escola exigia letra bonita. Aí ele fazia uma redação, e diziam que a letra dele estava feia. Tinha que apagar tudo e reescrever. Diziam que não estava bom. Faziam isso com ele três, quatro vezes. E mesmo a gente dizendo antes que a letra era feia por causa da situação dele, ignoravam. Eu dizia para deixarem ele descansar então, mas nada. Depois da terceira, quarta vez, ele começava a chorar, a gritar, ele perdia o controle. Ele tinha uma espécie de crise de nervos", explica.
"Quando ele está nessa situação, você não consegue mais falar com ele, ele já está fora de si. E dar uma volta faz ele piorar, porque ele se sente excluído, ele se sente colocado para fora de sala de aula, mas era o que faziam", completa a mãe.
"Ele é muito metódico. Se esbarram nele, por exemplo, sem querer, ele não entende. Aí ele se vira e diz ‘não esbarra em mim, sua idiota’. A professora manda sair para se acalmar, mas o que fica nele é um sentimento grande de injustiça, porque ele não entende porque ele tem de sair, se não foi ele quem esbarrou. Na cabeça dele, a pessoa fez por querer."
A mãe disse ainda que chegou a se oferecer para pagar um acompanhante para o garoto em sala de aula, mas a instituição se negou a aceitar. A decisão da escola de desligar o menino ocorreu no dia 23 de maio, no meio da semana de provas. Brenda diz que representantes do colégio fizeram questão de comunicar o menino e que só o liberaram a fazer os testes após pedido dos pais.
"Esse menino continuou entrando aquela escola de cabeça erguida, ele fazia as provas e saía. Não deixaram nem ele assistir às aulas daquela semana de provas. Só deixaram ele entrar, fazer a prova e sair. E a gente esperando na calçada. Ele entrava de cabeça erguida, fazia as provas e saía, sabendo que estava expulso. E ele saiu com média maior que a dos colegas. Ele tinha 13 professores e sabia que todos eles assinaram a ata contra ele."
Depois do cancelamento da matrícula do garoto, a família relata ter procurado outras instituições particulares, sem sucesso. Amir foi então matriculado em uma escola pública na Asa Norte, onde foi melhor acolhido. O menino chegou a receber um prêmio por se destacar na disciplina de ciências.
"Ele tinha pânico de escola pública, porque o que ele conhecia era o que ele via nos filmes americanos. Ele tinha pânico de conhecer outros alunos, outros 13 professores, outro diretor. Para um aluno qualquer é difícil. Para quem tem Asperger é pior", diz Brenda.
"Eu fiquei no portão por quase um mês, até ele e eu sentirmos segurança. A gente fica com coração na mão, ele é o tesouro da gente. Vê-lo sofrendo e sofrendo injustamente é uma droga mesmo. Você se sente de mãos atadas. A gente fica perdida."
A advogada conta que a família decidiu voltar para o Rio Grande do Sul no final do ano justamente por não ter encontrado outra escola particular para o garoto. Ela comemorou a decisão do tribunal. Ao G1, Amir disse estar contente e afirmou se sentir "porta-voz dos autistas do Brasil". "É muita felicidade. 'Feliz' foi pouco para o que eu senti."
Justiça e efeitos da expulsão
O desligamento do garoto foi considerado irregular pela Coordenação de Supervisão Institucional e Normas de Ensino do DF. O juiz Wagner Pessoa Vieira, que analisou o caso, criticou a postura da instituição em manter a expulsão. Ele diz que o depoimento de testemunhas reforçaram a constatação de falha na prestação dos serviços.
"Portanto, ficou evidente que a instituição não promoveu as adequações necessárias à correta adaptação e inclusão do autor, nem mesmo lhe ofereceu a oportunidade, em conjunto com seus pais e psicólogos, de estabelecer uma orientação pedagógica destinada a satisfazer suas necessidades educacionais, enquanto pessoa portadora de Síndrome de Asperger (autismo)", disse na sentença.
A mãe do menino afirma que a família ainda luta contra efeitos do incidente. "Eu estava lendo para ele um livro do John Green em que os adolescentes se lembram qual o melhor e o pior dia da sua vida. Ele nem titubeou: 'o pior dia foi o da minha expulsão'. Isso marcou ele."
De acordo com Brenda, o número de crises nervosas do menino tem caído sensivelmente após a saída da escola. "Na época do colégio, as crises eram diárias e duravam horas. Depois que ele saiu, elas passaram a se esparsar e durar menos. Hoje ainda acontece. Amir ainda não consegue ficar o horário normal, fica o reduzido.
Até a expulsão, ele ficava o normal.
Agora, não consegue.
A gente tem fé que vai conseguir.
As crises agora são quinzenais.
E nunca mais durou mais que 20 minutos."
Atualmente ele estuda entre 7:30 e 10:00 horas, saindo três horas mais cedo. O garoto completa os estudos em casa e, uma vez por semana, vai ao plantão e tem duas horas sozinho para tirar dúvidas com uma professora.
"A gente quer dar o exemplo para o nosso filho, que as lutas devem ser assim, a gente não resolve nada no braço, a gente tem que usar o caminho correto. A gente ficou feliz de poder mostrar para ele que existe aquele caminho e que funciona. A gente acho que não vai colher os frutos, mas alguém, daqui a 30 anos, talvez, se nossa história inspirar mais pessoas", afirma a mãe.
"Machuca demais, dói você ter que correr atrás de outra escola para ele no meio do ano. A gente foi a mais de dez escolas e todas disseram não.
E aí você tem que ir atrás de escola pública, e não é qualquer uma que funciona."