Piloto teve sucesso em 2007, mas governo 'ignorou';
bacilo ataca as larvas.
Ministério diz que compra internacional
impede uso de versão da EMBRAPA.
O larvicida biológico que usa uma bactéria para matar as larvas do mosquito Aedes aegypti – transmissor da dengue, do chikungunya e do zika vírus – será usado no Distrito Federal a partir desta quinta-feira (160121), mas já está pronto para utilização em larga escala há quase dez anos.
A fórmula criada no Brasil foi registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA em 2006, mas nunca foi usada de forma sistemática no país.
O produto pode ser aplicado em caixas d'água, piscinas, ralos, vasos de plantas e em qualquer ambiente doméstico, incluindo reservatórios de água potável.
A compra só pode ser feita, no entanto, por governos ou empresas especializadas, e não pelo consumidor comum.
O larvicida tem como "princípio ativo" o Bacillum thuringiensis israelense (BTI), uma bactéria inofensiva para humanos e animais domésticos, mas letal para o mosquito. Quando a larva do Aedes come essa bactéria na água limpa e parada, recebe quatro toxinas que causam paralisia generalizada e matam o vetor.
A versão brasileira, criada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA em parceria com a empresa nacional Bthek, traz um bacilo em uma solução líquida. Ela é vendida pelo nome comercial "Bt-Horus" e custa cerca de R$ 60,00 por litro.
Em nota enviada, o Ministério da Saúde informou que só pode incluir um produto no Programa Nacional de Combate à Dengue se ele obtiver registro na Organização Mundial de Saúde - OMS. Essa restrição se aplica, segundo a pasta, porque a aquisição é feita por licitação internacional, com verbas da Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS.
O ministério diz analisar, "além da segurança e da eficácia, o custo-efetividade, o impacto epidemiológico esperado, o protocolo e estratégia de utilização do produto e o impacto orçamentário que será produzido".
O ministério não soube informar porque mantém um regulamento que impede a compra de produtos nacionais para o Programa Nacional de Combate à Dengue, criado em 2002. mesmo aqueles com autorização da ANVISA. Os governos locais e a própria União podem comprar o Bt-Horus diretamente do fabricante mas, para isso, não podem contar com as verbas da OPAS.
Apesar de não prever a aquisição do bacilo na formulação nacional, o governo federal importou oito toneladas do produto em 2010 e fez a distribuição para 13 estados e o DF.
A diferença, segundo o próprio ministério, está na forma de apresentação do produto. O BTI foi licitado na versão "efervescente" (WDG, na sigla em inglês), regulamentada pela OMS. A versão nacional, o Bt-Horus, é vendida em solução aquosa e, por isso, precisaria de nova permissão do órgão ligado à ONU.
Sem continuidade
Em 2007, o produto foi testado pela EMBRAPA e pela Bthek em São Sebastião-DF, com resultados acima dos esperados pela equipe. O índice de infestação, medido pelo número de focos encontrados a cada cem casas inspecionadas, passou de 4 para 1 após a aplicação do bacilo. De "risco iminente de epidemia", o índice caiu para "aceitável", segundo critérios da Organização Mundial de Saúde.
As pesquisas foram concluídas na sede da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, a 8 km do Palácio do Buriti e a menos de 200 metros da sede da Secretaria de Saúde, no fim da Asa Norte. A EMBRAPA afirma que tem como missão "viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação", e que a criação de políticas públicas e aplicação de alternativas cabe ao Executivo.
Depois do teste bem-sucedido em São Sebastião-DF, o produto sumiu dos protocolos distritais até a última segunda-feira (160118), quando o governo anunciou o recebimento de 600 litros do produto. A carga foi doada pela União Química, empresa brasileira que comprou a Bthek.
O subsecretário de Vigilância em Saúde do DF, Tiago Coelho, afirma que a estratégia foi "revisitada" em função do aumento da ameaça causada pelo Aedes aegypti, que passou a transmitir a chikungunya e o zika vírus.
"Os instrumentos que estávamos utilizando
para conter a dengue estavam se mostrando ineficientes.
O controle químico, por inseticida e larvicida,
e o ambiental, com retirada de entulho e água parada"
Diz.
Novo protocolo
Desta vez, a aplicação do BTI será feita apenas pelos agentes autorizados da Secretaria de Saúde, e não pela própria população, como em 2007. Coelho afirma que os testes daquela época foram feitos pela própria empresa, e não pela pasta, e diz que a estratégia utilizada "não se mostrou efetiva". Ele preferiu não comentar os dados de redução de epidemia passados pela Bthek e pela EMBRAPA.
"Neste momento, depois de revisitar
os pontos positivos e negativos,
nós estamos introduzindo [o produto]
com um novo protocolo.
Vamos fazer o monitoramento de todos os indicadores
e divulgar o resultado,
dentro do protocolo que a secretaria entende como correto.
É um processo contínuo:
a pesquisa alimenta a política pública,
que fornece novos dados para a pesquisa"
Diz o subsecretário.
Os 600 litros doados devem ser suficientes para dois ou três meses de aplicação, nas estimativas do GDF e considerando o "nível atual" de focos. Nesse período, a Secretaria de Saúde promete avaliar os resultados.
"Assim que a gente identificar a efetividade,
a intenção é fazer um termo de referência
para adotar a compra regular"
Diz Coelho.
Na manhã desta quinta (160121), 150 agentes da Vigilância Ambiental receberam o treinamento necessário para usar o produto, que será dividido em 12 mil ampolas de 50 ml. A previsão do GDF é de que o produto começasse a ser aplicado ainda nesta quinta nas regiões com o maior índice de focos do mosquito: Santa Maria-DF, Gama-DF, Brazlândia-DF, Lago Norte-DF e Planaltina-DF.
O GDF garante que seguirá o cronograma de reaplicação indicado pelo fabricante – onde houver foco, o agente de vigilância terá que retornar a cada três semanas. O governo não explicou como fará esse controle na segunda etapa de implementação, quando todo o DF passar a receber o bacilo.
Nova tentativa
O gerente de produção da Bthek e da divisão de biotecnologia da União Química, José Eduardo Sacconi Nunes, diz que a aplicação do BTI no DF vai funcionar como um "segundo projeto piloto", em uma tentativa de reinserir o larvicida no mercado. Desde 2010, segundo ele, nenhum governo municipal, estadual, distrital ou federal adquiriu o produto, de modo contínuo, para o combate à dengue.
"O produto foi utilizado sistematicamente na região Sul,
mas no combate ao mosquito borrachudo,
pelo incômodo que ele causa em populações ribeirinhas.
É um mosquito que gosta de água corrente,
não bota ovo em água parada.
Como o larvicida ataca a larva, e não o adulto,
pode ser que o Aedes volte a pôr ovos ali.
Por isso, você precisa ir reaplicando
até matar toda a cadeia"
Diz.
A dose necessária para eliminar as larvas de Aedes varia de uma gota (para ralos domésticos) a um litro (piscinas de 20 mil litros).
"Dependendo da dose,
as larvas morrem em 24 horas.
A vantagem é a especificidade,
ou seja, essas toxinas só agem nas larvas
e são inofensivas aos humanos, animais, plantas"
Diz a pesquisadora Rose Monnerat, que liderou a pesquisa do bacilo na EMBRAPA.
Após aplicado, o bacilo se reproduz muito pouco, e apenas dentro da larva morta. Como a bactéria é sensível à luz solar, o produto é mais eficiente para ambientes internos e precisa ser reaplicada, "religiosamente", a cada três semanas. A ação funcionaria como complemento ao uso dos "fumacês", mais eficazes na área externa porque os moradores fecham as portas e janelas durante a aplicação.
Dengue no DF
O Distrito Federal registrou aumento de 110% no número de casos de dengue nas primeiras duas semanas de 2016, em comparação com o mesmo período do ano passado. Foram 253 infecções confirmadas até a última segunda-feira (160118), contra 120 apurados em 2015. Os dados foram divulgados nesta quarta (160120) no boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde.
Entre os dias 11 e 18 deste mês, o índice de casos pulou de 59 para 253 – foram 194 infecções em apenas sete dias. A variação, segundo a Saúde, foi impulsionada pelo crescimento das ocorrências em Brazlândia-DF – de 3, em 2015, para 100 em 2016.
Em 13 regiões, o índice caiu em relação ao ano passado, e em outras nove, houve estabilidade.